“Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Um sonho que se sonha junto é realidade”, esta é uma das frases que faz parte da caminhada de alunos, pais, professores e estudantes surdos do Município, que há mais de 10 anos lutavam e buscavam a criação de um espaço próprio.
Em 2015, o Município deu um grande passo no que diz respeito à educação de surdos, quando assinou o decreto de criação da Escola Municipal de Educação Bilíngue Carmem Regina Teixeira Baldino. A escola é destinada a alunos surdos, e qualquer pessoa que saiba fluentemente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) pode ingressar.
Antes, os alunos surdos sempre estudaram em turmas regulares das escolas do Município, passando inclusive por diversas delas, sem ter um local fixo para estudar. Isso foi uma vitória para todos. Com a criação desse espaço e posteriormente com a vinda da sede própria, que atualmente conta com 19 professores, sete funcionários, uma estagiária e uma monitora, Rio Grande teve um grande avanço e tudo começou a melhorar para a comunidade surda, que necessitava de um local para chamar de seu e, através dele, conseguir ampliar o atendimento necessário.
Neste domingo (23), é comemorado o Dia Nacional da Educação de Surdos, e, em razão disso, neste dia o Agora não poderia deixar de prestar uma homenagem àqueles que se dedicam a preparar estes alunos para a vida, sempre lembrando que a escola leva o nome da professora Carmem, que faleceu aos 51 anos, em janeiro de 2014. Ela foi uma das idealistas do projeto de criação da escola e dedicou a carreira do magistério ao trabalho com os estudantes surdos. Após o falecimento da idealizadora do projeto, um grupo de professores seguiu engajado na luta pela escola bilíngue.
UM POUCO DA HISTÓRIA
Albino Brauch, Maria Auxiliadora Duarte, Dileta Peres, Silvania de Avila, Egmar Rodrigues e Cristiane Lima Terra Fernandes fazem parte do grupo de professores que trabalham diariamente na Escola Bilíngue. Contam que, entre os anos de 2004 e 2005, surgiu a oportunidade de participarem de um curso de formação na área, que era composto por 508 horas. Só que para poder entrar no curso, alguns precisaram fazer carta de intenção, pois ele era destinado apenas a professores de disciplinas específicas. “O curso era só para aqueles professores que eram dos anos finais na inclusão”, diz Silvania.
Cristiane, que é professora e diretora da escola, lembra que o curso, além de ensinar a língua, abordava a metodologia, avaliação e questão social e que, dos 50 educadores que iniciaram o curso, apenas 33 concluíram.
Os professores salientam que o curso era difícil e puxado e que começaram a trabalhar com os alunos surdos em turmas de inclusão nas escolas regulares de ensino. “Esse ensino implica no aprendizado de uma outra língua. A gente precisa aprender, para depois ensinar. Jamais a inclusão ia ou irá dar conta desses alunos”, conta Cristiane. Dileta comenta que, na época em que o curso foi oferecido, era professora do Estado, mas era somente para professores do Município. “Eu dava aula de 5ª a 8ª série de Ciências, e todo o aluno que é especial vem com um asterisco no lado do nome. Eu nunca tinha tido contato com surdos. Até que em um ano eu tive. Eu preparava as aulas com foco nos surdos e incluía os ouvintes. A Silvania foi intérprete e, posteriormente, fez o curso de Libras”, lembra.
DESAFIOS
Os educadores lembram ainda que, para trabalhar nesta modalidade de ensino, primeiramente o professor precisa querer. Eles enfatizam que o ensino de surdos é construído diariamente pelos próprios educadores e que muitos cursos que existem atualmente não levam em consideração a questão do bilinguismo e que, por isso, muitas das capacitações são promovidas na própria escola. Egmar, que é professor de Matemática, destaca que precisa estudar muito mais do que antes. “A Matemática é muito visual. Eu não faço coisas muito diferentes. Eu não conhecia nenhuma destas professoras. O meu interesse por Libras surgiu em um filme. Eu vi a conversa com a língua de sinais americana e me interessei. Eu não tinha essa pretensão de trabalhar com os surdos. Eu achava a língua legal. Fiz o curso e me exonerei da outra escola da rede regular, onde eu era diretor”, ressalta. Ele conta que um dos desafios que ainda tem é a comunicação. “Eu tenho curso de intérprete, mas o meu grande desafio ainda é a comunicação. Nas minhas aulas são utilizadas três linguagens: Matemática, Português e Libras”, destaca.
O professor Albino observa que, muitas vezes, os profissionais são motivados justamente pelas dificuldades. “O professor muitas vezes é motivado pelo desafio. Nós acabamos tomando gosto pela coisa. O curso é puxado, ainda tem estágio e TCC”, salienta. Ele comenta que, na educação de surdos, são necessárias muitas reuniões, pois são os próprios professores que produzem o material de trabalho. O educador lembra que já passou por dificuldades em outras escolas por essas razões. “Agora melhorou bastante, podemos fazer nossas reuniões sem ninguém ver com maus olhos. Hoje, avançamos, trabalhamos com Educação Infantil e EJA”, destaca.
Os educadores lembram que, até hoje, a escola ainda não oferece o Ensino Médio por não ter professores. Eles comentam que uma das dificuldades é ir na contramão da vontade política, que se ouve falar muito em inclusão, mas que os surdos, por exemplo, precisam de espaços só para eles. “Ainda bem que encontramos na Secretaria de Município da Educação total apoio. Quando o Município resolveu abrir a escola, foi um desafio, porque o MEC disse que não daria recursos, ou seja, ela é financiada apenas pelo Município”, comenta Cristiane. Ela diz que o trabalho realizado na escola vai muito além da sala de aula. “É um trabalho que envolve todas especifidades desses alunos. Fazemos um papel além da escola, pois ensinamos regras básicas de convivência”, destaca.
RECOMPENSAS
Os profissionais contam que, diferentemente de outras crianças, a maioria das informações não é recebida desde pequenos. “Os pais pedem ajuda para que a gente explique situações do dia a dia. Muitos pais não conseguem se comunicar com eles. É um trabalho do professor que ultrapassa os muros da escola. Às vezes, eu consigo dar só meia aula de Artes, porque eles gostam muito de conversar e aqui eles conseguem isso. Temos que nos preocupar e ajudar em tudo que acontece na vida deles. Os alunos adoram estar na escola, porque há interação com os professores e entre eles”, explica Maria Auxiliadora.
Para os professores, um dos objetivos é fazer um trabalho para que os alunos utilizem Libras fora da escola. Eles contam que é possível sentir diferença no desenvolvimento daquele aluno que os pais decidem aprender Libras.
Cristiane lembra que existe a ideia de ampliação da escola para o Ensino Médio, através do poder público municipal, mas, para que isso ocorra, são necessários profissionais. “Temos 40 surdos aguardando o Ensino Médio. Podíamos colocar eles aqui, mas não temos professores”, lamenta. Ela informa que na escola é oferecida uma capacitação gratuita de Libras e que, no segundo semestre, a UFPel vai abrir uma especialização gratuita em educação de surdo. Silvania e Cristiane observam que, para trabalhar com surdos, o professor precisa em primeiro lugar querer. Os professores afirmam que, apesar dos desafios, existem muitas recompensas. Eles garantem que os alunos são acolhedores e que o professor se torna uma pessoa diferente por causa deles.
Cristiane destaca que ama o que faz e que tem, com ela, os melhores e dedicados profissionais. “Aqui na escola, eu não trabalho, eu me divirto e ainda ganho para isso. É um prazer estar aqui, tu te sente com compromisso de dar conhecimento. O professor de surdos se sente com o compromisso da vida dos alunos. Muitas vezes, os pais nos procuram para darmos notícias e orientações sobre situações cotidianas. A nossa responsabilidade é muito grande e, além disso, damos muito amor. Aqui tu preparas a criança realmente para a vida. Eu sou muito feliz aqui e muito mais feliz por trabalhar com estes profissionais. Eu tenho os melhores professores do meu lado. Os professores gostam de estar aqui. Todos pegam junto, são ativos, criativos. Tenho até medo de dizer isso, mas eles são os melhores”, finaliza orgulhosa a diretora da escola.